Orgias, ouro e papagaios assados: o que realmente acontecia nos banquetes do imperador Calígula
Este não é apenas um relato de iguarias: é uma janela para entender o poder que transforma festa em espetáculo e crueldade em norma. A fama de Calígula não se resumia à mesa, mas às próprias ações de um governante que costumava misturar luxo com intimidação. Nos banquetes, a ostentação alcançava o extremo: crocodilos do Nilo fritos, pavões de Samos, garças de Delos e esturjões de Rodas surgiam na mesa, acompanhados de iguarias de várias partes do império — carfagens frias, frutos cartagineses, pepinos da Índia e pêssegos da China. Porcos assados eram, surpreendentemente, recheados com pombos vivos e rolas, como se a casa inteira fosse uma vitrine de poder sem limites. A extravagância, porém, era apenas o prelúdio de um regime que usava o prazer como palco de crueldade e demonstração de poder. O que parecia uma festa de riqueza era, na verdade, um ritual de domínio que assustava quem o via pela primeira vez.
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Quem foi Calígula e por que os banquetes ficaram famosos
Gaius Julius Germanicus, conhecido como Calígula, ganhou esse apelido por causa das sandálias militares (caligae) que usava na juventude. Seu nome ficou associado a uma das figuras mais desvairadas da história. Segundo o historiador romano Suetônio, ele herdou quase 3 bilhões de sesterces de Tibério, mas gastou tudo com excessos de luxo e comportamento impiedoso. A riqueza da era imperial, que parecia quase ilimitada, foi torrada em aquisições performativas de poder. O que ficou famoso não foi apenas a comida, mas o modo como ele a exibia: um retrato de arrogância, crueldade e uma busca insaciável por reconhecimento público.
O lado sombrio do entretenimento: como o poder foi usado para humilhar
Não era apenas sobre comida: o imperador, sob cortinas translúcidas, às vezes chamava a esposa de um senador convidado para atos de desonra, e, em muitos casos, obrigava o marido a testemunhar. A humilhação pública servia para demonstrar que ele governava não apenas pela força, mas pela perversão do que era permitido. Além disso, Kalígula promovia bailes de amor com centenas de jovens, garotas, convidados e até animais, sob chicotes para acelerar os movimentos. A dança de prazer tornava-se uma máquina de poder, um espetáculo que deixava claro quem mandava. Essa tirania não ficava apenas na sala de jantar: era uma assertiva contínua de controle sobre a cidade, disfarçada de celebração.
Nemi: palácios flutuantes que naufragaram com o império
Entre as festas, Calígula organizou celebrações às margens do lago de Nemi, onde surgiram navios de até 70 metros de comprimento e 20 metros de largura, servindo como palácios flutuantes. Esses navios eram verdadeiros monumentos: cobertos de mármore, adornados com pedras preciosas e estátuas de deuses; dentro, havia banhos, banheiros, vinhedos e árvores frutíferas. A fama de tamanha ostentação era tão grande que, logo após sua morte, os navios foram afundados e só foram encontrados quase dois milênios depois, na década de 1930. O conjunto de banquetes e celebrações serviu como uma demonstração de poder romano em sua forma mais extravagante — e, ao mesmo tempo, como um preságio de que o excesso pode ser a ruína.
Queda, fortuna e uma lição sobre o poder
De onde viera tanto dinheiro? O historiador Suetônio relata que Tibério deixou quase 3 bilhões de sesterces no tesouro, mas Calígula gastou tudo em uma única ânsia de luxo. Em vez de conservar riquezas, ele as esbanjou em extravagâncias que não respeitavam limites. Além disso, o imperador elevou impostos e inaugurou um lupanar público, onde forçava esposas e irmãs de membros da elite romana a trabalhar, tomando para si a maior parte dos lucros. Não houve limite para o exibicionismo do poder. Em 41 d.C., uma conspiração de elites acabou por derrubá-lo. Calígula foi assassinado pelos praetorianos no corredor de um teatro, sem compreender que a maior conquista do poder é mantê-lo com disciplina — não com o abuso. A moral é simples e implacável: quem não se controla, está fadado a ser controlado.