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Esquecida por todos: a última mulher da tribo Nicoleno viveu 18 anos sozinha numa ilha deserta, e ao ser resgatada descobriu que seu povo já sumira no continente.

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Em 1835, o navio missionário Peor es Nada evacuou a tribo Nicoleno da ilha de San Nicolás, perto da costa da Califórnia. Na pressa e diante de uma tempestade iminente, esqueceram uma mulher: Juana Maria. Ela ficou sozinha por 18 anos, a última de seu povo, sobrevivendo entre cavernas, dunas e um abrigo improvisado de ossos de baleia. Quando finalmente foi resgatada por homens que procuravam focas, enfrentou um mundo que não era o dela. Ao chegar ao continente, descobriu algo ainda mais devastador: os que haviam sido salvos em 1835, ao desembarcar, morreram rapidamente por doenças locais, e o povo Nicoleno havia desaparecido do mundo.

Esquecida por todos: a última mulher da tribo Nicoleno viveu 18 anos sozinha numa ilha deserta, e ao ser resgatada descobriu que seu povo já sumira no continente.

San Nicolás: a ilha mais isolada da costa da Califórnia e o abrigo de Juana Maria

San Nicolás é a ilha mais isolada da costa da Califórnia, varrida por ventos fortes e envolta em neblina constante. Um lugar áspero, com rochas, dunas de areia e pouca água doce. Foi nesse cenário que Juana Maria viveu a maior parte de sua vida, isolada do mundo exterior, sem contato com quem pudesse entender sua língua ou seus costumes. Ela tinha, ao menos, duas moradias: uma caverna natural para se abrigar de tempestades e uma casa principal, construída com ossos de baleia — vigas feitas de costelas, cobertas com peles de foca. Em 1939, arqueólogos encontraram essa construção, robusta o bastante para resistir aos ventos do Pacífico. Sua alimentação era baseada em gordura de foca, carne de foca, peixes, mariscos, além de tubérculos e plantas que coletava na ilha. Ela também caçava aves marinhas, principalmente mergulhões, para a carne e para as penas.

San Nicolás: a ilha mais isolada da costa da Califórnia e o abrigo de Juana Maria

Ferramentas, artes e rotina de sobrevivência

Para viver sozinha, ela desenvolveu uma economia doméstica completa: fazia seus próprios utensílios, fibras, recipientes e ferramentas. Ela tecia cestas e recipientes de fibras vegetais, e, para torná-los impermeáveis, cobria o interior com bitume natural trazido das rochas. Para dividir peles, usava facas de pedra; costurava roupas a partir de peles e penas com agulhas ósseas. Um manto de penas de mergulhão, costurado com habilidade, impressionou os visitantes; esse artefato acabou queimado num incêndio em São Francisco, em 1906. Além disso, Juana Maria tinha cães domésticos, criados a partir de filhotes de cães selvagens da ilha, que a ajudavam na caça e podiam ser seus únicos companheiros.

Ferramentas, artes e rotina de sobrevivência

O encontro com os salvadores e o choque do continente

No auge do século XIX, boatos de uma mulher selvagem da ilha de San Nicolás chegaram à Santa Bárbara, atraindo caçadores de lontra. George Nidever liderou a expedição. Quando a encontraram, Juana Maria não era uma fera: recebeu-os com hospitalidade, como se recebesse visitantes, dividindo com eles raízes assadas. Foi levada para o continente, para a cidade de Santa Bárbara, onde ficou sob a proteção de Nidever. A língua Nicoleno, conhecida apenas por ela e, possivelmente, por poucos, quase desapareceu. Ela morreu em 19 de outubro de 1853, apenas sete semanas após a chegada, de disenteria, sem que o mundo ao redor entendesse plenamente suas histórias. A transição para a dieta ocidental — de gordura de foca, peixe e raízes para carne bovina, milho, maçãs e uvas — provocou um choque gravíssimo no seu corpo, já adaptado a um ecossistema isolado.

O encontro com os salvadores e o choque do continente

Legado esquecido: a língua Nicoleno, a cultura e o último de seu povo

Com a morte de Juana Maria, o idioma Nicoleno ficou ainda mais próximo do desaparecimento: apenas quatro palavras registradas e duas canções sobreviveram. Ela foi batizada com o nome espanhol Juana Maria; seu verdadeiro nome permanece desconhecido. Ela foi enterrada em uma sepultura sem nome no terreno da família Nidiver, perto da missão de Santa Bárbara. A vida de Juana Maria encerrou não apenas uma existência, mas também o registro de 10 mil anos de conhecimento, tradições e memória do Nicoleno, que nunca mais seria o mesmo.

Legado esquecido: a língua Nicoleno, a cultura e o último de seu povo