Como testemunhei o maior golpe de telemóveis do Reino Unido: búlgaros no subúrbio e uma ligação chocante a Hong Kong
Era madrugada quando uma multidão de agentes de ordem pública cercou uma casa de subúrio em Enfield, no norte de Londres. Por volta das 5h, o frio do outono cortava o ar enquanto gritavam: "Polícia, este é um mandado de busca" e o som de botas batia no piso ecoava pela rua. A porta da frente, deixada entreaberta, foi derrubada com um aríete. A operação envolveu 300 agentes e 30 ações simultâneas pela cidade, todas destinadas a prender ladrões, intermediários e chefes de uma rede de furto de telemóveis. Pouco depois, uma pequena mulher búlgara, em roupão roxo, foi conduzida em algemas para uma furgoneta policial; pouco depois, um homem de camisa vermelha, bermudas e chinelos também foi detido. Este raid em Enfield marcava o começo de uma ofensiva que visava cortar a epidemia de furto de telemóveis que tem atormentado Londres. Foi apenas o começo de uma investigação que revelaria uma rede com alcance global.
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Operação em Enfield: 5h de raid, 30 buscas paralelas, 300 oficiais
A operação em Enfield foi apenas uma parte de um plano maior: 30 ações simultâneas pela capital, na madrugada de 25 de setembro, envolvendo 300 agentes. A detenção da mulher búlgara em roupão roxo e do homem de camiseta vermelha mostrou o nível de organização da rede que fornece aparelhos furtados a chefes e intermediários. Duas dias antes, dois líderes afegãos suspeitos de liderar a exportação de 40 mil aparelhos num ano foram detidos numa rua. Três dias depois, outras detensões e o início de uma investigação mais ampla mostraram o alcance da operação Echosteep. Nas últimas semanas, as autoridades registraram dezenas de detenções, mandados de busca e recuperação de dispositivos, delineando um quadro de inteligência que só começava a ser desvendado.
Da tranquilidade suburbana aos seus passos em Kowloon: a ponte Londres-Hong Kong
Foi então que a ligação entre Londres e Kowloon, Hong Kong, tornou-se evidente. As caixas com milhares de iPhones recolhidos de várias origens foram empilhadas dentro de unidades de escritório nos arranha-céus de Kwun Tong. No dia da visita do Daily Mail, havia facilmente mais de um milhão de telemóveis usados à venda naquele edifício. Os aparelhos que saíam de Londres podiam render entre 200 e 400 libras por dispositivo a um intermediário no Reino Unido, mas a rede internacional transformava esses aparelhos em lucros muito maiores no exterior. Os afegãos apelidados Heron e Seagull foram detidos três dias depois, retirados de uma carrinha adaptada que funcionava como um ‘chop shop’ móvel para telefones roubados. Hong Kong, com a sua infraestrutura e reputação de porto internacional, aparece como o hub ideal para enviar milhões de aparelhos roubados antes de chegarem ao destino final.
A máquina de exportação: preços, rotas e compradores internacionais
Um terço dos aparelhos roubados em Londres acaba na Argélia, 20% vão para a China continental e 7% chegam a Hong Kong. A maior parte dos telemóveis chineses não oferece pleno acesso à internet, o que alimenta a demanda por dispositivos europeus e norte‑americanos. Hong Kong, com a sua infraestrutura e status de porto internacional, é o hub ideal para enviar milhões de telefones roubados antes de chegarem ao destino final. Um empresário indiano, que fazia encomendas em grande volume para uma loja no seu país, explicou: "Hong Kong é o melhor lugar do mundo para encontrar todos os modelos aos melhores preços. As margens são finas, mas comprar em volume é perfeito". A operação Echosteep representou a intenção de reformular a imagem de Londres como capital europeia do furto de telemóveis.
Conquistas, lições e o futuro: Echosteep e o combate contínuo
O que os investigadores chamam Echosteep é visto como o maior esforço de combate ao furto de telemóveis já realizado no mundo, conforme o comissário Sir Mark Rowley. Nas duas últimas semanas, a polícia registrou 46 detenções relacionadas a furto de telemóveis, executou 49 mandados de busca e recuperou mais de 2.000 aparelhos. As autoridades também apreenderam mais de £200.000 em lucros criminosos e reuniram 4.000 iPhones na evidência de um posto policial no oeste de Londres. Apesar deste avanço, o alerta permanece: sem medidas como kill switches e com uma rede global de compradores dispostos a pagar preços elevados, a ameaça continuará a existir. A lição é clara: não há espaço para complacência.