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Alquimia de neutrinos as partículas fantasmas do Sol que transformam átomos

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Milhares de metros subterrâneos, nas profundezas da crosta terrestre, cientistas observaram, pela primeira vez, neutrinos solares atuando na transformação de carbono-13 em nitrogênio-13. É a primeira vez que essa rara reação nuclear mediada por neutrinos foi observada, revelando como algumas das partículas mais evasivas do Universo podem remodelar a matéria no subterrâneo, longe da superfície. "Esta descoberta utiliza a abundância natural de carbono-13 dentro do cintilador líquido do experimento para medir uma interação específica, rara", diz a física Christine Kraus da SNOLAB, o observatório de neutrinos no Canadá onde a detecção foi feita. "Até onde sabemos, esses resultados representam a observação da menor energia de interações de neutrinos com núcleos de carbono-13 até a data e fornecem a primeira medição direta da seção de choque para essa reação nuclear específica no estado fundamental do nitrogênio-13 resultante."

Alquimia de neutrinos as partículas fantasmas do Sol que transformam átomos

O que são neutrinos e por que são chamados de partículas fantasmas

Os neutrinos são uma das partículas mais abundantes do vasto Universo. Eles se formam em circunstâncias energéticas, como explosões de supernovas e a fusão atômica que ocorre no interior das estrelas — portanto eles estão praticamente por toda parte. Entretanto, eles não possuem carga elétrica, sua massa é quase zero, e eles mal interagem com outras partículas com as quais se deparam. Centenas de bilhões de neutrinos atravessam seu corpo neste exato momento, apenas passando como fantasmas. Por isso são carinhosamente conhecidos como partículas fantasma. Mas, de tempos em tempos, um neutrino realmente esbarra em outra partícula — uma colisão que produz um brilho infinitesimal e uma chuva de outras partículas. No entanto, são difíceis de detectar na superfície da Terra, onde raios cósmicos e radiação de fundo obscurecem o sinal. É por isso que alguns dos melhores detectores de neutrinos ficam bem abaixo da superfície, onde a crosta terrestre funciona como um escudo contra a radiação. Lá, grandes câmaras são revestidas com fotodetectores e cheias de cintilador líquido que amplifica os sinais minúsculos gerados por interações raras de neutrinos, florescendo na escuridão total. Os neutrinos originários do Sol estão constantemente atravessando a Terra. Suas energias caem dentro de uma faixa bem conhecida, o que facilita diferenciá-los de neutrinos atmosféricos e astro-físicos, que são bem mais energéticos e menos comuns. Na profundidade de 2.000 metros da detecção SNO+ do SNOLAB, quase todos os eventos nesse intervalo de energia são de origem solar.

O que são neutrinos e por que são chamados de partículas fantasmas

Como a detecção é realizada no SNOLAB

Liderada pelo físico Gulliver Milton, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, a equipe examinou dados do SNO+ coletados entre 4 de maio de 2022 e 29 de junho de 2023, buscando um sinal específico que indique uma interação de neutrinos com carbono-13 dentro do fluido cintilador. Quando um neutrino de elétron solar atinge um núcleo de carbono-13, a colisão provoca duas coisas. A primeira é a produção de um elétron, uma partícula com carga negativa, à medida que o núcleo atômico absorve o neutrino. Dentro do núcleo do átomo de carbono existem 13 partículas: seis prótons com carga positiva e sete nêutrons. A interação fraca desencadeada pelo neutrino converte um desses nêutrons em próton, emitindo um elétron. Com o número de prótons aumentado de seis para sete, o átomo deixa de ser carbono e passa a ser nitrogênio-13, que tem sete prótons e seis nêutrons. Cerca de 10 minutos depois, o nitrogênio-13 resultante é instável e se desintegra, emitindo um positron. O resultado da interação do começo ao fim é um clarão de duas etapas conhecido como coincidência atrasada. Basicamente, os pesquisadores podem observar um elétron seguido de um positron 10 minutos mais tarde, como assinatura de um neutrino convertendo carbono-13 em nitrogênio-13. A partir de 231 dias de dados de observação, os pesquisadores identificaram 60 eventos candidatos. Ao passar os dados dos eventos candidatos pelo seu modelo estatístico, estimaram 5,6 transmutação carbono-nitrogênio impulsionadas por neutrinos, o que ficou bastante próximo das 4,7 transmutations que eles esperavam encontrar. "Capturar essa interação é uma realização extraordinária", diz Milton. "Apesar da raridade do isótopo de carbono, fomos capazes de observar a sua interação com neutrinos, que nasceram no núcleo do Sol e viajaram grandes distâncias para alcançar o nosso detector."

Como a detecção é realizada no SNOLAB

Impacto científico e próximas etapas

O resultado é empolgante. Confirmar previsões teóricas é sempre gratificante, porque isso significa que a ciência está no caminho certo. Além disso, oferece uma nova medição da probabilidade dessa reação específica de neutrinos de baixa energia com carbono, o que estabelece um novo marco na física nuclear útil para estudos futuros. "Os neutrinos solares em si têm sido um tema intrigante de estudo por muitos anos, e as medições feitas pela nossa experiência predecessor, SNO, levaram ao Prêmio Nobel de Física em 2015", diz o físico Steven Biller, da Universidade de Oxford. "É notável que nossa compreensão dos neutrinos do Sol tenha avançado tanto que podemos usá-los pela primeira vez como um 'feixe de teste' para estudar outros tipos de reações atômicas raras!" A pesquisa foi publicada na Physical Review Letters.

Impacto científico e próximas etapas